Agora mesmo, eu estou sentada sozinha em um café em Budapeste. Eu não sei o nome deste lugar nem o que eu pedi para beber, exceto pelo garçom que acenou todo animado quando eu apontei pra alguma coisa no meio do cardápio, deve ser algo gostoso. Eu não tenho planos concretos para o resto do dia, ou, na verdade, para a semana, exceto pela vaga possibilidade de encontrar em Berlim umas australianas que conheci no couchsurfing e catar tudo que caiba dentro de 2 malas de 32kg pra entrar num avião. Viajar sozinha é uma faca de dois gumes: Eu estou aqui sozinha. Eu estou solitária. E eu também estou feliz.

A arte (e eu sei que é uma arte) de viajar sozinha é complicado. Todo mundo pergunta, “Você não prefere ir com alguém?” Sim, claro que eu prefiro. Mas precisa ser um certo tipo de pessoa. Não aquele tipo de pessoa que da um ataque quando o wifi do hotel não funciona. Não aquele tipo de “sabe-tudo” que age como um guia amador. Não aquele cara que você não esta apaixonada. Ou até mesmo aquele cara que começa cada frase com “se fosse no Brasil…” Pra mim, é melhor estar sozinha do que com esses tipos de pessoas. Certa vez, um desses namorados que eu aceitei compartilhar uma viagem, olhou pra um cara sozinho que tentava tirar uma foto com aqueles pau de selfies, apontou pra ele e disse: “olha você viajando”. Ri junto pra não deixar ele sobrando mas depois pensei: pelo menos ele ta ali curtindo a solidão dele e parece feliz e você que só ta aqui porque eu também estou? Esse tipo de pessoa.

Claro, quando eu estou viajando sozinha, às vezes sinto um pouco de tristeza quando eu vejo um casal comprometido, como em um quadro perfeito, se beijando no meio da ponte. Eu gostaria de ter alguém para sempre tirar minhas fotos e ter um golden retriver feliz lambendo a água do chão entre os paralelepípedos da rua. Mas eu também sei que estar sozinha agora não quer dizer que eu serei sozinha para sempre. E, pra mim, esses momentos de solidão servem para me lembrar das minhas prioridades – e que as pessoas que eu quero na minha vida são aquelas que adoram cachorros retardados e estranhos – Por enquanto que eu estou feliz com a minha própria companhia, eu não quero ser solteira pra sempre, percebe a diferença?

Todos os dias da minha vida, a solidão aparece esporadicamente. Existe um pequeno espaço para ela entre meu trabalho, obrigações familiares, aula de spinning, os encontros pelo Tinder (quem nunca?) e o happy hour depois do trabalho… Mas quando você está viajando ela se transforma em uma ligeira dor como uma pancada que fica roxo e que é sensível ao toque. E sendo capaz de ver e sentir me faz perceber três coisas: Primeiro, eu consigo sobreviver sendo sozinha. Eu nunca serei do tipo de pessoa que entrará numa relação apenas porque eu não quero ficar sozinha. Segundo, mesmo sabendo que eu consigo, o mundo é melhor e mais iluminado quando você é cercado pelas pessoas que você ama. Terceiro? Quando você antecipa e aceita a solidão como uma inevitabilidade temporária você realmente aproveita-a.

A primeira vez que eu viajei completamente sozinha foi há algum tempo, quando eu estava indo acompanhar meu pai e meu irmão num congresso na Turquia, de lá eu organizei uma semana pela Itália, passando por Florença, Roma e a tão romântica Veneza. Na minha cabeça, eu imaginei uma versão cinematográfica da viagem, respirando aquele ar que parecia que entrava nos meus pulmões como um combustível que me dava vontade de viver, sabe? Comer, rezar a amar. Teve dias que eu não fiz absolutamente nada em Florença, só andei pelas ruelas e eu estava extremamente feliz, sozinha. A viagem mexeu freneticamente comigo, eu determinei apenas o possível para cada dia.

Esses dois anos e meio sem ter algo que me faça me sentir em casa, foi que eu senti a solidão batendo forte pela primeira vez. Às vezes ela doía, às vezes ela me dava uma sensação incrível de paz. O meu quarto era/foi meu melhor refúgio quando a paz chegava, porém quantas vezes tive medo de entrar nele e me afundar em tristeza? Lembrei que uma vez em Paris, depois de um redemoinho de problemas eu acabei a noite numa festa na casa de um amigo de um conhecido. Ali eu estava bebendo vinho e acabei numa conversa com um dos convidados que estava perto de mim. A gente conversou, bebeu e aí não sei como a gente terminou a noite brigando. Eu não lembro o teor da conversa – talvez tenha sido sobre racismo – mas eu sei que eu comecei a chorar e me desesperei quando vi o meu conhecido dando um soco na cara do cara. Eu deixei o local quase expulsa e voltei pra casa sozinha e exausta. Era como se eu tivesse tido um relacionamento the flash, com um encontro e um término logo em seguida. E de repente eu me senti mais solitária do que nunca, cheguei em casa, fechei a porta do quarto e deitei no chão olhando pra um teto manchado de sei lá o que.

A solidão também já me deu dias maravilhosos como um que envolveu uma aula de Yoga com minha amiga indiana no parque. Voltei com passos lentos pra casa, toda suada, mochila e chinelos. Eu sentei num banco de uma praça, bebendo água e vendo jovens famílias andando por lá, passei umas 2h só observando e quase que saboreando aquele silêncio em mim. Depois eu fui fazendo meu caminho através das multidões perto da Bastille. E finalmente, eu cheguei ao meu apartamento, onde eu dormi com a soirée que vinha do apartamento de baixo. Eu não tinha falado com ninguém praticamente o dia inteiro, mas eu não me sentia triste. Ao invés disso, eu me sentia privilegiada em poder observar o mundo ao meu redor (em Paris!)- que acontecida sem minha presença – e conseguir me perder totalmente em mim mesmo. Eu era capaz de fazer o que quisesse, quando eu quisesse. Eu estava sozinha, sim, mas também estava feliz. Outro dia perguntei para uma amiga que viajava pela Tailândia se ela tava lá sozinha e ela me respondeu: “E quem acompanha?” seguida de uma longa risada. É verdade, saber que a gente só tem uma vida e esperar ter alguém do lado pra aproveita-la é um dos erros mais grotesco que uma pessoa pode cometer.

Para ser honesta, eu não sei o que irá acontecer nos próximos 10 dias que eu ainda tenho na Europa. Talvez eu me apaixonaria. Talvez eu faria novos amigos. Talvez eu acabaria chorando, sozinha em alguma bar. Eu sei, com certeza me sentira solitária, como agora.  E eu sei, que mesmo assim, está tudo bem.

“Quanto mais forte for um homem, mais ele estará sozinho – é uma questão de matemática. E se tiver que passar a vida em hospícios ou em fábricas de aviões, isso em nada alterará sua dor… ou sua grandeza.”

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Escrito por rebecca
Ex- futura arquiteta, antiga Diretora de Arte e Mídia, atual Analista de Marketing Digital e para sempre Nômade.