Um curiosidade universal: como foi que eu criei coragem para morar fora.
A verdade universal: Não sabendo que seria tão difícil, foi lá e fez.
Essa semana eu recebi uma mensagem: “adoro suas postagens, você vive uma vida de novela”. Muita gente fantasiava demais quando descobriam que eu morava em Paris, juravam que eu vivia um sonho (sim, às vezes até eu acredito nisso) mas morar no exterior tá longe de ser sonho, é uma realidade tão crua mas que eu aconselho a qualquer um, em qualquer idade ou fase, experimentar uma vez na vida. Tempo mínimo? 6 meses.
Por que 6 meses? Porque é o tempo necessário, na minha opinião, que demanda pra você se dar conta que não está de férias. Alugar um apartamento, pagar contas, ir ao médico, fazer amigos (ou sofrer porque não fez nenhum) e principalmente, tratar do visto. Depois do 3º mês, você precisa de autorização para permanecer no país (no caso da frança) e aí meu querido, o teste de realidade começa na vera. Então se você pensa que morar na Europa, especialmente na França, vai tornar sua vida mais fácil e chiquérrima, eu resolvi contar o meu lado B, aquele que muita gente não vê, então presta atenção no que eu vou te contar, baixa aí o volume da TV.
Sabe que nem todas as coisas aqui são tão avançadas assim? Acredita que o sistema bancário francês é um dos mais atrasados do mundo? Aquela compra no débito que você fez no final de semana só vai sair da sua conta na terça (porque na segunda alguns bancos não abrem), o processo é manual. Transferir dinheiro? mesma coisa, nada é automático. E se você quiser depositar aquele dinheirinho que você guardava debaixo do colchão mas sua agência fica em outra cidade, você precisa mandar o dinheiro PELOS CORREIOS. O sistema de saúde também é bem marromeno, ninguém faz preventivo de nada… a gente precisa implorar pro médico pra ele te passar um exame de sangue e se você tiver um “plano de saúde” você precisa primeiro pagar ao médico e pedir reembolso de cada consulta que você for… pelos correios também. O mêtro também é cheio e você anda em pé, ele para do nada… pode acontecer dele ter até bomba e matar todo mundo, haha. Morar fora não é tão maravilhoso nem moderno assim.
Morar em outro lugar pra aprender a língua é maravilhoso, mas se o seu aprendizado não é suficiente para resolver papeladas administrativas (com exceção de programas de intercâmbio que te dá tudo de mão beijada), você tem duas opções: ser muito paciente e às vezes até submisso ou voltar pro seu país. O setor administrativo francês tem fama de mal amado, as pessoas que trabalham lá claramente odeiam seus trabalhos e tratam todo e qualquer estrangeiro como bicho. Eles não respeitam que você ainda está desenvolvendo o idioma nem o seu sotaque. Mas eu como nasci no interior da Paraíba e tenho sangue de seu lunga, sempre fico extremamente contrariada quando me tratam mal e eu não sei responder à altura. Eles não fazem o menor esforço pra te ajudar. Acostume-se. Mesmo que você fale francês fluente, você sempre terá um sotaque que te denuncia e será uma figura flutuante em certos assuntos. Exemplo: Sempre na hora do almoço a galera do escritório assistia um programa chamado Le Petit Journal, que é tipo um CQC da vida. Eu até entendo o francês mas não entendo a piada intrínseca ali porque simplesmente não sou daqui. A sensação de não conseguir me expressar como eu exatamente quero é uma das mais frustrantes da vida, esses dias passei 15 minutos pensando como se fala implicância (de implicar com alguém sabe? arengar como diz no nordeste) e num foi em francês não, foi em inglês mesmo, e não saia de jeito nenhum. Você se sente bem perdido e é bem desanimador… Mas a gente aprende a engolir o choro e ter fé QUE UM DIA SAI e se eu soubesse que idioma não se aprende por osmose talvez jamais teria coragem de morar fora.
A saudade vai ser uma palavra que você vai digitar/falar milhares de vezes. De pessoas, do clima, do humor, da comida, do idioma e das havaianas. Seus pensamentos em português serão sua única companhia por muito tempo, poréééém se você decide morar fora com seu marido/namorado, vai em frente amiga, um segura as crises do outro porque sozinha a coisa é braba. Se a gente tá doente, a gente que precisa levantar e catar um remédio. Se não deu tempo de ir no mercado, a gente que passa fome. Se não lavou a roupa no final de semana, a gente que fica com o casaco fedido o resto da semana. Se você morreu ninguém do outro lado do Atlântico vai saber nem tão cedo haha até pra morrer! Ninguém vai fazer nada por você… você precisa de você e essa é uma das lições mais valiosas da vida. Se eu soubesse que iria precisar tanto de mim, talvez jamais teria coragem de morar fora.
Ser extremamente qualificada não te abrirá portas facilmente. Seu diploma aqui não vale muita coisa (com exceção da galera do TI, invejo todos vocês), suas experiências talvez. E você é obrigado a dar uns 3 passos pra trás pra ser inserida no mundo profissional deles e aí sim mostrar que a educação e toda bagagem profissional brasileira consegue ser até melhor que a deles mas pra isso você precisa engolir o seu orgulho, ter chefes mais novos que você e ganhar a mesma coisa que o seu colega do lado que tem 22 anos. Isso te faz pensar o que deve passar o estrangeiro que chega aqui no lema do “seja o que Deus quiser”, sem visto, sem nada e te dá motivos de agradecer a Deus que mesmo nessas circunstâncias, digamos, “desfavoráveis”, eu ainda estou sentada numa sala com ar condicionado, pagando impostos como todo cidadão francês.
As leis e os direitos do novo país é uma incógnita. Você só sabe que não deve atravessar a rua fora da faixa de pedrestres e… só. A gente não sabe se tem 13º terceiro pra receber, se pode trabalhar 45h semanais, se pode ter redução de salário.. você nem carteira de trabalho tem. Você não sabe se pode rescindir contrato até porque, ler um é uma tarefa pra o google, não sua. Você perde muito dinheiro podendo pedir reembolso de coisas que você não gostou e quer devolver porque simplesmente não sabia que era possível devolve-lo. Não tem SUS, então você não sabe se sofrer um acidente, quem vai te socorrer é o Chapolin. Você fica que nem o John travolta perdido porque mesmo nas repartições públicas cada um que diga uma coisa EAIMEUDEUSDOCEU! É como crescer de novo… tudo é novo, tudo precisa ser reaprendido e às vezes se torna um exercício extremamente cansativo.
Resumindo: Por trás daquela foto da Torre Eiffel, tem a gente com 3 malas fazendo a mudança de busão. Tem que sair de casa num frio de -2 pra fazer compras de supermercado a pé e voltar com uma mochila e 2 sacolas penduradas em você, tem que atender a porta com o síndico dizendo que tem uma fuite no apartamento e você se pergunta o que diabos é fuite, tem que comer comida que você nunca viu na vida e que parece boa mas na verdade é horrível e você pagou 10€ nela, tem gente falando com você e você balançando a cabeça sem saber se ela ta te esculhambando ou te perguntando algo. Tem a gente concordando com tantas coisas que a gente nem queria fazer mas topou sem saber do que se tratava.
Morar forar é como subir uma montanha super alta, se arranhar todo, tacar uma bandeira no topo com uma sensação de conquista, apreciar a vista, tirar foto da vista e postar no facebook (e as pessoas só veem aquela foto lindérrima). Na verdade quando a gente descobre tudo isso a vontade que dá é de: voltar pra casa. Morar fora sempre vai ser a sua atividade. “ah, o que ela faz? ela mora fora” E aí você se pergunta onde é a sua casa onde você finalmente possa fazer o que você faz, ser quem você é, falar do jeito que você sempre falou.
Escrevi esse texto em 2015 quando ainda morava em Paris.
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Parabéns ,tbm amo viajar ,tenho feito algumas viagens solo